Resumo: Os fornecedores de serviços e produtos têm uma grande responsabilidade ao colocar no mercado de consumo seus produtos e serviços, com vistas especialmente a saúde e segurança do consumidor, além de atender o fim a que ele foi fabricado. Em certas situações, mesmo com os órgãos fiscalizadores e reguladores, acontece de os produtos chegarem às prateleiras para consumo, com alguma falha, ou defeito, dessa forma as fabricantes têm a oportunidade de chamar, trazer o consumidor para ter o produto reparado, sanando o defeito do produto por meio de um sistema denominado “recall”, logo que tomarem conhecimento ou perceberem a falha, convocando, informando aos seus consumidores a trazer o produto com falha e efetivar o reparo ou a troca. Ocorre que esse chamado nem sempre é atendido eficazmente e ainda gera ao consumidor uma longa espera para que o reparo seja feito, causando grande transtornos e perdas ao consumidor, em especial aos consumidores da indústria automotiva, onde se ouve dizer em maiores números os casos de recall. Destaca -se no presente trabalho que as empresas fornecedoras de serviços e produtos respondem de forma objetiva, pelos produtos colocados no mercado de consumo, ademais a responsabilidade das fornecedoras de produtos está prevista nos artigos 12 a 14 do CDC, trazendo assim garantia e respaldo ao consumidor. Aspectos práticos, de atendimento à convocação feita pelo fornecedor, ausência de efetividade na resposta do serviço, danos, pelo período em que o produto, mais especificamente os veículos utilitários, precisam ficar parados para que a montadora/indústria necessita para corrigir o defeito, dados sobre consumo e a efetividade na reparação ou conserto das falhas serão discutidas nesse artigo.

Palavras-Chave: Recall, Informação, Falha, Relações de consumo, Proteção, Segurança, Chamamento, Produto, Veículos, Riscos, Saúde/Vida, Desvio, Produtivo, CDC/1, 990, Precaução.

Abstract: Service and product providers have a great responsibility when placing their products and services on the consumer market, especially with a view to consumer health and safety, in addition to meeting the purpose for which it was manufactured. In certain situations, even with the inspection and regulatory bodies, it happens that the products arrive on the shelves for consumption, with some fault, or defect, in this way the manufacturers have the opportunity to call, bring the consumer to have the product repaired, remedying the product defect through a system called “recall”, as soon as they become aware of or perceive the failure, calling and informing their consumers to bring the defective product and carry out the repair or exchange. It so happens that this call is not always answered effectively and it still generates a long wait for the consumer for the repair to be done, causing great inconvenience and losses to the consumer, especially to consumers in the automotive industry, where we hear in greater numbers the cases of recall. It is highlighted in the present work that the companies that supply services and products respond objectively, for the products placed in the consumer market, in addition, the responsibility of the suppliers of products is provided for in articles 12 to 14 of the CDC, thus bringing guarantee and support to the consumer. Practical aspects, in response to the call made by the supplier, lack of effectiveness in the service response, damages, for the period in which the product, more specifically the commercial vehicles, need to be stopped so that the automaker/industry needs to correct the defect, data on consumption and the effectiveness in repairing or repairing faults will be discussed in this article.

Keywords: Recall. Information. Failure. Consumer relations. Protection. Safety. Call. Product. vehicles. Scratchs. Health/Life. Detour. Productive. CDC/1990. Precaution.

Sumário: 1. Instituto do Recall; 1.2 O Dever de Informação dos Fornecedores; 2. Indenização pelo Tempo de Reparo 2.1. Teoria do Desvio Produtivo; 2.2 Análise de Casos e Jurisprudências;

Introdução: O fornecedor de bens e produtos não pode colocar no mercado de consumo produtos que causem riscos, ameaça ou que efetivamente causem danos à saúde e integridade física do consumidor, digamos que também os produtos postos à venda devem estar em plenas condições de uso. Ocorre que nem sempre há uma entrega e colocação por parte dos fabricantes de mercadorias com qualidade e sem falha ou defeito, tudo isso possivelmente em decorrência da produção em grande escala e falta de diligências necessárias por parte das fabricantes, o que coloca o consumidor em desvantagem, seja pelo risco que o produto apresenta, seja pelo dano que este sofra em consequência desta falha, em sendo assim a indústria, empresa, ou seja a fornecedora de bens e produtos tem a oportunidade de fazer o chamamento do consumidor para fazer o reparo ou corrigir a falha, que denominamos de Recall, sempre observando o dever de informação que deve ocorrer por parte da indústria e ou responsáveis pela colocação no mercado do produto que apresentou falha. No entanto, as indústrias não seguem fielmente ao que regulamenta o Código de defesa do Consumidor, que apresenta a forma e meios que o fornecedor deve cumprir e seguir para atender o consumidor garantindo respeito, lealdade e cumprimento honesto na produção e venda de bens e produtos entregues ao consumidor e na oportunidade de reparar a falha do produto, por meio do Recall. Este artigo trará ao leitor uma visão ampla no que tange ao Recall, e mais específica aos Recall de veículos automotivos que são os que mais sofrem falhas no momento da produção, de forma a elucidar os deveres dos fornecedores e direitos dos consumidores quanto a possíveis problemas em lotes de bens automóveis colocados nas concessionárias para consumo, o chamamento destes para o conserto diante do risco que causa ao usuário, e o consequente prejuízo sofrido pelos consumidores pelo tempo que o seu veículo ficará à disposição da fabricante para o reparo.

1. O Instituto do Recall

O Código de Defesa do Consumidor é um conjunto de normas que visa garantir e proteger os direitos dos consumidores, bem como as relações havidas entre o fornecedores e os consumidores em decorrência do consumo, logo no Capítulo IV, seção I da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, o Código trata da proteção à saúde e segurança dos consumidores, o legislador trouxe no §1º do artigo 10, o denominado Recall2, ou seja, o chamamento do consumidor.

Esse instituto do Recall é o procedimento gratuito pelo qual o fornecedor informa de forma pública os consumidores e os convoca, os chamam para sanar o defeito ou falha encontrado em produtos vendidos ou serviços prestados. O objetivo essencial do Recall é proteger e preservar a vida, a saúde, a integridade e a segurança do consumidor, além de evitar e minimizar prejuízos físicos ou morais.

Quando o fornecedor ou o fabricante, após colocar seus produtos no mercado de consumo toma consciência, ou descobre que seus bens apresentaram alguma falha ou defeito de fabricação, este deve convocar seus clientes a trazerem de volta à indústria aquele objeto, para que o fornecedor responsável faça o reparo ou mesmo o substitua, seguindo todo um procedimento regulado pelo CDC, e nos casos de veículo automotores, além do Código de Defesa do Consumidor, uma legislação específica, que trataremos no subtítulo a seguir.

O fornecedor adotando essa atitude demonstra além de sua boa-fé e comprometimento, uma reponsabilidade e preocupação muito grande com a vida, saúde para com os seus clientes e garantia de que, mesmo após já ter finalizado a venda ainda zela e preserva a relação com o consumidor, nesse sentido o autor Flávio Tartuce, menciona sore a reponsabilidade pós contratual, o seguinte:

“…Não restam dúvidas de que há um paralelo entre a responsabilidade pós-contratual ou post pactum finitum e a prática do recall, aplicando-se o princípio da boa-fé nessa fase negocial. Tal interação é muito bem delineada por Rogério Ferraz Donnini, para quem “o recall evita que o fornecedor suporte uma gama enorme de ações de indenização daqueles que eventualmente sofreriam prejuízos, desde que a substituição do produto nocivo ou perigoso seja realizada de maneira apropriada. O recall, assim, não caracteriza uma culpa do fornecedor após a extinção do contrato firmado com o consumidor. Ao contrário. Trata-se de expediente preventivo. Há, em verdade, a antecipação do fornecedor para que o fato que provavelmente sucederia (dano) não se concretize. Embora essa substituição de produto ocorra normalmente após extinto o contrato, inexiste culpa do fornecedor. Não há, destarte, responsabilidade civil do fornecedor, haja vista que o prejuízo ainda não ocorreu. Desde que seja feita a troca da peça avariada de forma adequada, foram os deveres acessórios cumpridos”³

Toda essa forma de trazer e fazer com que o fornecedor arque com a responsabilidade de corrigir sua falha na fabricação do seu produto, tem o objetivo de além de garantir ao consumidor em adquirir um produto que funcione, que seja um produto que não irá lhe causar danos ao maior bem que o ser humano possui que é a saúde, integridade física e a vida.

1.1 O Dever de Informação dos Fornecedores

O consumidor, dentre outras garantias, tem o direito de receber informações adequadas e claras, sobre os produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo, inclusive com especificação de quantidade, características, composição, qualidade e preço, além dos eventuais riscos que produtos ou serviços apresentem, para que ele possa exercer de forma livre e consciente a sua opção quanto a escolha e aquisição (Lei n° 8.078/90, art. 6°, III).

O artigo 10, §1º e §2º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que toda vez em que o fornecedor de um produto já colocado no mercado de consumo, souber que tal produto possui um defeito ou falha de fabricação que poderá afetar a saúde ou segurança do consumidor, deverá comunicar o fato à população, por meio de anúncios publicitários, bem como comunicar também às autoridades competentes.

A comunicação, informação de que o produto tem um defeito de fabricação e que precisa de um Recall tem um grande efeito no mercado de consumo e tal obrigação fica a cargo do fabricante, nesse sentido a Portaria nº 618 do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, de julho de 2019, diz que a comunicação deve ser feita à Secretaria Nacional do Consumidor e deverá indicar: a quantidade de consumidores atingidos em número e percentual, em termos globais e por unidade federativa; justificativa e medidas a serem adotadas em relação ao percentual de produtos ou serviços não recolhidos nem reparados, e identificação da forma pela qual os consumidores tomaram conhecimento do aviso de risco, dentre outras medidas, que constam no artigo 8º da Portaria Do Ministério da Justiça e Segurança Pública nº 618/2019.

Ademais a Mencionada Portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública nº 618/2019, aponta uma gama de rol que deve conter a comunicação do Recall a à Secretaria Nacional do Consumidor e ao órgão normativo ou regulador competente. a ser efetivado pela empresa/indústria que conferiu a nocividade ou encontrada no seu produto, senão vejamos:

“Art. 3º O fornecedor que, posteriormente à introdução do produto ou serviço no mercado de consumo, ver conhecimento da sua nocividade ou periculosidade, deverá comunicar o fato, no prazo de dois dias úteis, contados da decisão de realizar o chamamento, à Secretaria Nacional do Consumidor e ao órgão normativo ou regulador competente.
§ 1º A comunicação de que trata o caput deverá ser realizada, preferencialmente, por meio do Sistema Eletrônico de Informações – SEI, ou por outro sistema que tenha sido designado para tanto pela Secretaria Nacional do Consumidor, contendo as seguintes informações:
I – identificação do fornecedor do produto ou serviço, através do fornecimento dos seguintes dados: a) razão social; b) nome de fantasia; c) atividades econômicas desenvolvidas; d) número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ ou no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF; e) endereço da sede do estabelecimento; f) telefone e endereço eletrônico para recebimento de comunicações; g) nome de procuradores que venham a representar o fornecedor nos processos administrativos ou judiciais relativos ao procedimento de chamamento; e h) existência, se houver, de representação nos Estados Partes do MERCOSUL, indicando sua identificação e dados para contato; II – descrição pormenorizada do produto ou serviço e do componente defeituoso, com caracterizas necessárias à sua identificação, em especial: a) marca; b) modelo; c) lote, quando aplicável; d) série, quando aplicável; e) chassi, quando aplicável; f) data inicial e final de fabricação; g) foto;…”

A regulação acima mencionada é clara em estabelecer que o produto apresentando perigo ou risco a vida do consumidor, o fornecedor tem a obrigação legal de comunicar o fato de forma descrita e pormenorizada a órgãos competentes e fiscalizadores, e divulgar amplamente a situação a todos os consumidores, obedecendo o estipulado no CDC, portarias e normas impostas pelo Poder Público.

No que tange a falha apresentadas em veículos, caso uma montadora perceba que um automóvel apresenta perigos após ele ser lançado no mercado, ela é obrigada a comunicar o fato às autoridades competentes e aos consumidores.

A comunicação ao consumidor deve ser feita por meio de campanha publicitária em todos os locais onde haja consumidores deste produto, os anúncios devem trazer informações sobre o defeito/falha que o bem apresentou, bem como sobre os riscos decorrentes e as medidas preventivas e corretivas que o consumidor deve tomar, incluindo locais para reparo. Além dos anúncios publicitários, a fabricante pode comunicar o consumidor por meio de correspondência, anúncios via Internet e avisos por telefone, mas sem renunciar a campanha publicitária.

Com relação ao prazo para o fornecedor comunicar a possibilidade de um Recall à Secretaria Nacional do Consumidor prevista no artigo 2º da Portaria 618/2019 são de 24 horas e não deve ultrapassar o prazo de dez dias úteis, a menos que o fornecedor demonstre circunstanciadamente que a extensão do prazo é necessária para a conclusão dos trabalhos.

O aviso de chamado pode ser enviado pelo aplicativo Sistema de Notificação Eletrônica (SNE) para quem habilitou o app no smartphone, por e-mail para quem tem cadastro no Portal de Serviços Denatran, pelo aplicativo Carteira Digital de Trânsito (CDT) e E-carta enviada como correspondência oficial do Governo.

Os chamamentos também são realizados por Televisão, passando durante o comercial de um programa e outro, e nas Rádios.

Os proprietários de veículos que são convocados para o Recall não podem deixar de fazê-lo tendo em vista, que normalmente a falha detectada pode colocar em risco a vida dos consumidores, e ainda o bem pode sofrer restrições em sua documentação de CRLV (Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo).

A renovação do licenciamento só será liberada após a comprovação do serviço realizado. Após fazer o reparo, a fabricante terá 15 dias para informar ao sistema do governo sobre o conserto feito e o proprietário terá um recibo com todos os dados de onde e quando o serviço foi feito.

A mudança da legislação foi trazida pela Lei 14.071/2020, que alterou diversos pontos do Código de Trânsito Brasileiro, e entrou em vigor no dia 12 de abril de 2021, que alterou vários artigos do Código de Trânsito Brasileiro.

Conforme o art.131, § 4º do CTB, as informações referentes às campanhas de chamamento de consumidores para substituição ou reparo de veículos não atendidas no prazo de um ano, contado da data de sua comunicação, deverão estar no Certificado de Licenciamento Anual.

“ Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro de Veículo, em meio físico e/ou digital, à escolha do proprietário, de acordo com o modelo e com as especificações estabelecidos pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 1º O primeiro licenciamento será feito simultaneamente ao registro.
§ 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas. (Vide ADIN 2998)
§ 3º Ao licenciar o veículo, o proprietário deverá comprovar sua aprovação nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído, conforme disposto no art. 104.
§ 4º As informações referentes às campanhas de chamamento de consumidores para substituição ou reparo de veículos realizadas a partir de 1º de outubro de 2019 e não atendidas no prazo de 1 (um) ano, contado da data de sua comunicação, deverão constar do Certificado de Licenciamento Anual. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)”

A comunicação e ampla divulgação do reparos a serem feitos, colaboram também para que o comprador de um veículo tenha acesso para descobrir se o pretenso bem em algum dia foi convocado para o Recall, sendo que a diversas plataformas de comunicação hoje existentes nos dão condição para isso.

“O Ministério da Justiça conta com a página Alertas de Recall, onde reúne os últimos alertas emitidos no país. Além disso, você pode consultar as páginas das próprias montadoras para conferir essa informação — geralmente, os sites têm uma área específica destinada ao recall, onde a verificação pode ser feita usando o número do chassi do automóvel.
Fazer essa consulta é uma prática muito importante para quem adquire um carro usado ou seminovo, pois, caso o antigo proprietário não tiver levado o automóvel até uma oficina para resolver o problema, você deve fazer isso, o quanto antes.”4

Ademais podemos ainda ter acesso a um site de alerta de recall, que é o seguinte: http://portal.mj.gov.br/recall/principal/index/.

Portanto o dever de informação tanto das especificações do produto, quanto também a possíveis falhas que o objeto posto no mercado de consumo possa vir apresentar é ônus do fornecedor, tudo no intuito de apresentar ao consumidor que é a parte mais fraca da relação, todas as informações do bem que este está adquirindo ou que mesmo já tenha adquirido.

2. Indenização pelo tempo de Reparo

Ao adquirir um veículo o consumidor espera e acredita que ele esteja em perfeitas condições de uso e que não trará riscos a sua saúde ou mesmo vida, no entanto como mencionamos em capítulo anterior o bem, após posto no mercado de consumo pode apresentar alguma falha que deve ser reparada pela fabricante, e este convoca seus clientes a trazer o automóvel de volta a concessionária para o devido reparo, e isso pode gerar um novo problema a demora na execução da correção da falha, que seja pela entrega de alguma peça a ser substituta, e ou mesmo que seja pela própria demora em si em realizar o conserto, gerando prejuízo ao consumidor.

O simples Recall por si só não gera direito a indenização sopesado o fato de que a falha é tolerável quando advindo de processo equivocado no momento da fabricação, e não por má fé, porém as indústrias precisam ter a responsabilidade de reconhecer o problema e convocar todos os seus clientes a trazerem o bem para o reparo, efetivar diligentemente o conserto entregando em tempo razoável o automóvel consertado.

Advém que se a concessionária faz o chamado para o reparo, o consumidor deixa o seu veículo para conserto e com isso fica sem meio de transporte ou mesmo sem seu instrumento de trabalho, dependendo da profissão que o consumidor exerce, e em assim sendo tem a necessidade de solução rápida por parte da indústria.

A lei não estipula um prazo exato para que a concessionária execute o serviço de reparação, mas tal serviço deve ocorrer com um prazo razoável e negociável entre as partes, temos ainda que ficar em alerta quando a concessionária só faz o anúncio, mas nunca atende os clientes sob o pretexto de que não possui peças, de que retorna para agendar o conserto e nunca o fazem, somente a fim de burlar os órgãos fiscalizadores e culpar os consumidores de não terem atendido o Recall.

Não obstante o fato de o veículo ficar por um tempo parado na concessionária para o reparo pode trazer sim prejuízo ao consumidor e este deve realizar a denúncia no Procon e procurar a Justiça a fim de ser reparado.

A reponsabilidade das fornecedoras de bens e serviços é objetiva, ou seja, não se exige a comprovação de culpa do fornecedor que, independentemente desta, responderá pelos danos ocorridos, conforme previsão dos artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor.
O autor Fabrício Bolzan em seu livro Direito do Consumidor Esquematizado, se posiciona sobre o que é responsabilidade objetiva do fornecedor:

“…Ademais, cumpre ressaltar que o5 CDC trouxe instrumentos para concretizar tais direitos. No âmbito civil, podemos citar a responsabilidade objetiva do fornecedor — aquela que independe da comprovação do dolo ou da culpa —, que é a regra nas relações de consumo envolvendo a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e o consequente dever de indenizar (arts. 12 a 17).

O consumidor adquire um veículo e espera dele o resultado prometido, um bom funcionamento e sem trazer risco ao usuário ou mesmo outras pessoas indiretamente ligadas a cadeia de consumo, e ao surgir uma falha inesperada até mesmo pelo fabricante, este deve anteder de forma negligente, perita e prudente, o conserto do problema.

Além disso, pela teoria da responsabilidade objetiva, mesmo que o consumidor não consiga chegar à concessionária a tempo para fazer o reparo, cabe a esta se desdobrar para buscar e atender o cliente de forma a cativá-lo o conscientizando na importância do comparecimento para a efetivação da correção a fim de evitar um acidente de consumo, pois caso ocorra o acidente, pela teoria acima mencionada, o fornecedor deve responder pelos danos.

Nesse sentido vejamos o seguinte entendimento:

“…Em última análise, cumpre destacar que o fato de o consumidor não cumprir o atendimento ao recall (chamamento do consumidor pelo fornecedor para consertar um problema do bem de consumo nos termos do art. 10, § 1º, do CDC) não isenta o fornecedor de responsabilidade. O STJ já se posicionou nos mesmos termos: “A circunstância de o adquirente não levar o veículo para conserto, em atenção a RECALL, não isenta o fabricante da obrigação de indenizar” (REsp 1.010.392, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª T., DJe 13-5-2008)…”6

Porém quando o veículo sai da fábrica com defeito que traz riscos a segurança e saúde do consumidor deve sim ser levado a concessionária para a efetivação do reparo, sem buscar o amparo do conceito de reponsabilidade objetiva, e ou mesmo da vulnerabilidade do consumidor, sendo que o adquirente do produto tem a consciência de que o seu bem veio com defeito e agora a fornecedora do automóvel deve repará-lo, com o fim de ser efetivado o conserto.

E ainda, a fim de a fornecedora de veículo, ter retomada a confiança e garantia de preservar a vida do seu cliente, deve fazer o reparo de forma urgente e eficiente, para não trazer maiores prejuízos ao consumidor e evitar o acidente de consumo.

Desta forma, não sendo atendido com presteza, lealdade e efetividade o conserto, a concessionária responde objetivamente por todos os danos causados ao consumidor, seja ele de ordem material ou moral.

2.1 Teoria do Desvio Produtivo

Quando um consumidor gasta o seu tempo para solucionar problemas em decorrência de má prestação de serviço, de produtos com defeito, constitui dano indenizável, segundo a teoria do desvio produtivo.

O tempo é um bem muito precioso do ser humano, que em um instante ele se torna passado e noutro você espera o futuro, enquanto o agora é o presente, e nessa profunda reflexão Santo Agostinho meditou o seguinte:

“… Contudo, afirmo com certeza e sei que, se nada passasse, não haveria tempo passado; que se não houvesse os acontecimentos, não haveria tempo futuro; e que se nada existisse agora, não haveria tempo presente. Como então podem existir esses dois tempos, o passado e o futuro, se o passado já não existe e se o futuro ainda não chegou? Quanto ao presente, se continuasse sempre presente e não passasse ao pretérito, não seria tempo, mas eternidade. Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como podemos afirmar que existe, se sua razão de ser é aquela pela qual deixará de existir? Por isso, o que nos permite afirmar que o tempo existe é a sua tendência para não existir.7

O ser humano no mundo em que vivemos faz muita conta do seu tempo, que é utilizado para a família, com cuidados pessoais, com projetos profissionais, não cabendo configurando um abuso o consumidor ter que gastar seu tempo com problemas causados por falha das fornecedoras de produtos e serviços, ainda mais quando o tempo gasto para solução desse problema foge a razoabilidade, por exemplo, quando um recall de peça de veículo demora por mais de 60 (sessenta) dias para solucionar o problema, o cliente tem que ficar indo e vindo atras de solucionar o problema e ainda fica sem o seu meio de transporte.

A teoria do desvio produtivo do consumidor é de autoria do advogado Marcos Dessaune, através da qual afirma que:

“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”8

Nessa perspectiva o consumidor não quer e não pode gastar o seu tempo com coisas desnecessárias, e o fato de ter que utilizar o seu tempo para solucionar um defeito em um produto adquirido, desde quando não mostrado agilidade e efetividade por parte da fornecedora de produto, temos que fica caracterizado o desvio produtivo diante da perda do tempo útil por parte do consumidor.

“À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo”9

Quando se trata de Recall de veículos o tempo perdido pelo consumidor lhe consome suas energias e foge do mero aborrecimento, conquanto no mundo moderno o ser humano tem grandes necessidades do seu veículo para locomoção e realização de suas atividades do dia a dia, e nesse sentido uma matéria no site rota jurídica trouxe o seguinte caso:

“A Renault do Brasil S/A e a Navesa Veículos Ltda. foram condenadas a indenizar, de forma solidária, um consumidor por atraso na entrega de veículo que foi para recall. O carro, que foi levado para revisão dos airbags, demorou 10 dias para ser entregue. A juíza Roberta Nasser Leoni, do 5º Juizado Especial Cível de Goiânia, determinou o pagamento pela empresas no valor de R$ 4 mil, a título de danos morais. A magistrada também levou em consideração a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. (…) A previsão era de entrega para o dia seguinte, mas somente foi entregue 10 dias depois do acordado. Segundo salientam os advogados, a demora causou prejuízos à rotina de trabalho do consumidor, tendo dificuldades, inclusive, para conseguir um automóvel reserva.”10

Diante disso temos que o consumidor está amparado quando deixa o seu veículo na concessionaria para atendimento de um Recall e a fornecedora de produtos não resolve o problema em tempo hábil e previamente combinado com o cliente, lhe causando maiores prejuízos de espera e ausência do automóvel que é considerado essencial na realização das obrigações do cotidiano.

2.2 Análise de casos e jurisprudências

As falhas em produtos e serviços ocorrem e sempre vão ocorrer, porquanto quando se envolve ser humano e até mesmo as máquinas, todos são passíveis de erro, porém quando esse erro atinge o patrimônio do consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, atingindo o patrimônio material e imaterial gera a este o direito de ser reparado, alguns julgados de relevância ligados ao tema de Recall em Veículos, trataremos a seguir.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER – VÍCIO OCULTO NO VEÍCULO – DEVER DE REALIZAR O CONSERTO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE REVENDEDORA E A FABRICANTE – PREVISÃO DE “RECALL”
10 https://www.rotajuridica.com.br/fabricante-e-concessionaria-sao-condenadas-a-indenizar-consumidor-por-atraso-na-entrega-de-veiculo-levado-para-recall/ acesso em 11/05/2022
DO VEÍCULO NÃO REALIZADO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 18 DO CDC – MULTA DE R$ 2.000,00 POR DIA DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – LIMITAÇÃO EM R$ 30.000,00 – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – 16ª C. Cível – 0069571-08.2021.8.16.0000 – Londrina – Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ ANTONIO BARRY – J. 26.04.2022) (TJ-PR – AI: 00695710820218160000 Londrina 0069571-08.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Luiz Antonio Barry, Data de Julgamento: 26/04/2022, 16ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/04/2022)11

No caso acima ficou constatada a necessidade de Recall, pois havia previsão, no entanto, a concessionária e fabricante não efetivaram conserto do veículo o que levou a condenação das duas empresas com aplicação de responsabilidade solidária.

“RECURSO INOMINADO. RECALL DE VEÍCULO. AUTOR QUE LEVA SEU VEÍCULO À CONCESSIONARIA E NÃO É REALIZADA A TROCA DAS PEÇAS INDICADAS NO RECALL. JUSTIFICATIVA APRESENTADA DURANTE A AÇÃO DE QUE AS PEÇAS DO CARRO DO AUTOR NÃO SÃO DO MESMO FORNECEDOR DOS ITENS QUE APRESENTAVAM DEFEITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER AFASTADA ANTE A CERTIFICAÇÃO DE DESNECESSIDADE DE TROCA DE PEÇAS. SITUAÇÃO QUE SUPERA O MERO ABORRECIMENTO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO QUE LEVA O AUTOR A TEMER USAR SEU VEÍCULO POR ACREDITAR QUE HÁ DEFEITO EM ITEM DE SEGURANÇA. DANOS MORAIS MANTIDOS (R$ 1.500,00). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – 2ª Turma Recursal – 0001061-73.2019.8.16.0044 – Apucarana – Rel.: Juiz Alvaro Rodrigues Junior – J. 29.05.2020) (TJ-PR – RI: 00010617320198160044 PR 0001061-73.2019.8.16.0044 (Acórdão), Relator: Juiz Alvaro Rodrigues Junior, Data de Julgamento: 29/05/2020, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 02/06/2020)” 12

Esse julgado bem analisou o caso de um consumidor que adquiriu um veículo modelo Ford Ranger 2005 equipados com airbag a recall em 2012, porém quando o consumidor levou o seu automóvel para o reparo a ré constatou que este não teria necessidade de troca, conquanto a fabricante tenha convocado todos os os veículos de forma preventiva, porém houve falha na comunicação, no dever de informação que trouxe aflição e receio ao usuário, que temeu sofrer algum acidente, e por isso o julgador entendeu por conferir os danos morais.

“JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECALL DE VEÍCULO. FALTA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO. VEÍCULO PARADO POR APROXIMADAMENTE 120 DIAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DANO MORAL. CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Insurge-se a recorrente contra sentença que julgou procedente o pedido inicial para condená-la a pagar ao recorrido a quantia de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais, em razão da demora excessiva e imotivada na prestação de serviços de reparo de automóvel. 2. Em suas razões recursais, alega que o atraso na entrega do veículo ocorreu por falta de peça necessária à restauração do bem. Afirma, ainda, a inexistência de danos morais. Subsidiariamente, requer a redução do valor arbitrado. 3. Conforme destacado pelo magistrado de origem, é fato incontroverso que em setembro de 2017 o veículo do autor foi objeto de um recall para regularizar problema na caixa de direção, ficando cerca de 4 meses parado por não ter a peça necessária disponível. 4. E face de tal quadro, considerando que o serviço a ser feito era recall da própria fabricante, não se justifica a alegação de falta de peças para realizar os reparos necessários e muito menos a demora de aproximadamente 120 dias para prestar o serviço. Tal situação extrapolou o mero descumprimento contratual, porquanto implicou em demora excessiva para reparação de veículo, sem qualquer justificativa plausível, conduta esta inaceitável por parte do fornecedor, cabendo indenização por danos morais pelos transtornos gerados pela demora no conserto do veículo. 5. Nesse sentido, a indenização por danos morais é devida e foi fixada pelo juízo de origem em valor adequado às circunstâncias fáticas verificadas nos autos. Considerada a reprovabilidade e ausência de justificativa na conduta das rés, que demonstraram não ter adotado o zelo necessário com o consumidor, a intensidade e duração do mal-estar experimentado pela vítima, impõe-se a manutenção do valor da indenização fixado pelo Juízo de origem, R$ 5.000,00. A quantia atende à finalidade reparatória e pedagógica a ser alcançada com o sistema de indenização por dano moral, apresentando razoabilidade e proporcionalidade exigida no caso. 6. Recurso CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida. Custas recolhidas. Condeno o recorrente vencido em honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação. A súmula de julgamento servirá de acórdão, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. (TJ-DF 07112512720188070016 DF 0711251-27.2018.8.07.0016, Relator: GABRIELA JARDON GUIMARAES DE FARIA, Data de Julgamento: 14/11/2018, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE: 21/11/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)”13

Por fim um caso típico de convocação de Recall e quando o consumidor atende o chamado a montadora demora a efetivar o conserto sob a alegação de falta de peças, o que causou e causa grandes transtornos e danos ao consumidor, configurando até mesmo a perda do tempo útil, porém não foi abordado no julgado, mas que configurou ausência de zelo e a longa duração para atendimento do conserto, configurando os danos morais.

Referências
ADA, Pellegrini Grinover et al. Defesa do Consumidor Comentados pelos Autores do Anteprojeto. 8. Rio de Janeiro-RJ ed. Forense Universitária, 2019.
MARQUES, Claudia Lima et al. O Novo Direito Privado e a Proteção dos Vulneráveis. São Paulo-SP Editora Revista Dos Tribunais, 2012.
PEREIRA, Jessé Leal. Recall: Defeito de fábrica e o dever que tem as montadoras de carro em reparar os danos. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF, 18 ago. 2012.
SENACON – Secretaria Nacional do Consumidor. A Senacon. Disponível em: https://www.defesadoconsumidor.gov.br/portal/a-senacon. Acesso em: 4 mar. 2022.
CARDOSO, Hélio da Fonseca. Recall: Em veículos Automotores. O que há por trás disso? Liv. e Ed. Universitária de Direito, São Paulo -SP 2015
TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 10. ed. rev. atual. e ampl. Volume único. São Paulo-SP: Editora Método, 2021.
ALMEIDA, Fabrício Bolzan de Almeida. Direito do Consumidor Esquematizado. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do Consumidor. 9. Ed. Thomson Reuters Brasil, 2020.
JUNIOR, Humberto Teodoro. Direito do Consumidor. 10. Ed. São Paulo: Forense, 2020.
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 10/04/2022

Receba as novidades no seu e-mail
Artigos Relacionados